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França: Emmanuel Macron procura reinventar-se

Emmanuel Macron prepara a França, e prepara-se, para duas coisas: uma nova vaga do novo coronavírus e para as presidenciais de 2022. A mudança de Primeiro-Ministro no regime presidencialista francês é quase uma banalidade, entre os analistas há quem afirme que Édouard Philippe até permaneceu bastante tempo no cargo – três anos.

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Com um novo Primeiro-Ministro, Macron ganha fôlego para novas batalhas políticas rumo às eleições
Fotografia: DR

Macron prepara a França, e prepara-se, para duas coisas: uma nova vaga do novo coronavírus e para as presidenciais de 2022. A mudança de Primeiro-Ministro no regime presidencialista francês é quase uma banalidade, entre os analistas há quem afirme que Édouard Philippe até permaneceu bastante tempo no cargo – três anos.

Foi o Primeiro-Ministro escolhido por Macron, em Maio de 2017, para chefiar o Governo quando foi eleito Presidente da República francesa. Philippe tinha na altura 46 anos. Tido como uma figura política vinda da direita, nunca aderiu ao partido de Macron, La République en Marche (LRM).

Philippe destacou-se no combate à Covid-19, foi capa recente da revista Paris Match e 60% dos franceses queriam que permanecesse no cargo, mas Emmanuel Macron não. Escolheu para o substituir uma figura discreta, o conservador Jean Castex, um homem de 55 anos, próximo do ex-Presidente Nicolas Sarkozy (2007-2012), ligado à área da saúde e que em Abril deste ano assumiu a estratégia do desconfinamento francês.

É, também por isso, conhecido como o “senhor desconfinamento”. Escreve a Reuters que o Presidente Emmanuel Macron substituiu o Primeiro-Ministro Édouard Philippe, um dos membros mais populares do seu Governo e que ensombrava o seu recomeço político após a primeira vaga do coronavírus, que atingiu a França de forma crítica – tem acima de 200 mil casos de infecções e mais de 30 mil mortes devido ao novo coronavírus.

E não foi nada fácil confinar os franceses que não vivem sem sair de casa para comprar pão fresco todos os dias.  Ao contrário do seu antecessor, o novo Primeiro-Ministro pretende assumir-se como líder da maioria parlamentar, ou seja, transferir mais o poder do Palácio de Matignon (residência oficial do Primeiro-Ministro) para a Assembleia Nacional.

Jean Castex apresentou-se aos franceses, logo ao início da semana passada, como “o homem do diálogo”, escreveu o Le Monde. E será através do Parlamento que Castex irá promover a reanimação da maioria presidencial, que saiu maltratada das recentes eleições municipais francesas.

Uma das suas primeiras iniciativas foi reunir com importantes figuras do LRM como Stanislas Guerini, oriundo do Partido Socialista francês, um dos fundadores do LRM e por estes dias o seu secretário-geral (délégué général), Gilles le Gendre, o líder da bancada macronista, Richard Ferrand, também do LRM e actual presidente da Assembleia Nacional, e, ainda, com Patrick Mignola, do MoDem (Mouvement Démocrate, criado por François Bayrou), partido da maioria presidencial.

“O novo Primeiro-Ministro quer desempenhar plenamente o seu papel de líder da maioria”, afirmou um “peso pesado”do LRM, citado pelo Le Monde. “Nas nossas instituições, o Chefe de Estado define o caminho e o Primeiro-Ministro assegura a sua implementação em acordo com a maioria parlamentar”, afirmou o novo chefe do Governo francês, e a apresentação desse caminho reconfigurado está agendado para hoje, “14 de Julho”(o Dia Nacional da França, quando se assinala a Queda da Bastilha, um acontecimento central da Revolução Francesa).

Outra das primeiras iniciativas do novo Primeiro-Ministro, foi uma visita às forças policiais em La Courneuve, em Seine-Saint-Denis, na região de Paris, para sublinhar a importância que para ele têm as forças de ordem pública na crise pandémica que a França e o mundo atravessam.

E disso mesmo deu conta no Twitter, onde, na altura, escreveu que “estive esta noite com o comissariado de La Courneuve, em contacto com aqueles que estão empenhados em proteger os nossos cidadãos (…) que esperam de nós reconhecimento e apoio, e assim faremos, sem falhas”.

Jean Castex consultor principal do Tribunal de Contas e, entre 2001 a 2005, presidente da Câmara de Contas Regional da Alsácia. De 2005 a 2006, director de Hospitalização e Organização dos Cuidados de Saúde no Ministério da Solidariedade e Coesão Social e de 2006 a 2007 ocupou o cargo de director de Gabinete de Xavier Bertrand, no Ministério da Saúde, passando depois para o do Trabalho, onde permaneceu cerca de um ano.

Em Março de 2008 torna-se, pela primeira vez, presidente da câmara de Prades, pela UMP (Union pour un Mouvement Populaire). Em 2010, passa a consultor para Assuntos Sociais de Sarkozy, com quem ficou até ao fim do mandato.

A partir de Abril deste ano, ocupou o cargo de coordenador dos planos de desconfinamento, atribuído pelo agora ex-Primeiro-Ministro, Édouard Philippe. Segundo um comunicado da presidência francesa, o espírito de equipa e a experiência no poder local são tidos como pontos fortes de Castex.

Quando a popularidade é má política

Macron afastou o seu Primeiro-Ministro dos últimos três anos, Édouard Philippe, e substituiu-o por um tecnocrata relativamente desconhecido, Jean Castex, ainda assim, uma peça fundamental na gestão da emergência de saúde pública vivida em França, e na esmagadora maioria dos países em todo o mundo.

Os analistas consideram que o Presidente francês esteve mal, porque o Primeiro-Ministro cessante é um dos poucos políticos a emergir da crise com uma credibilidade acentuada, ou seja, e desta forma, Macron desafia a máxima churchilliana de que em política é melhor manter os inimigos por perto.  

A tensão entre os dois homens era visível e as eleições municipais do dia 30 de Junho, de fraca adesão às urnas e de fraca votação na maioria presidencial – com um aumento de votação nos “Verdes” liderados por Julien Bayou, que ganharam Bordeaux, Lyon e Estrasburgo – deram a Macron o pretexto para substituir Philippe por Castex, sendo que Castex não é nem ambientalista nem esquerdista. É também um homem da direita.

Emmanuel Macron “é muito autoconfiante e não gosta de ser colocado na sombra por ninguém”, considerou Gerald Grunberg, politólogo emérito da Sciences Po., em Paris, e que acrescentou que Macron “não quer ser o Presidente de um Governo de Édouard Philippe”, isto é, não suportaria uma simbólica inversão de papéis dada a popularidade de Philippe.

Com 42 anos, o actual Presidente da França tem tudo para acreditar que fará um segundo mandato, apesar destes primeiros anos francamente ásperos, marcados por distúrbios sociais relacionados com os chamados “coletes amarelos”, distúrbios suspensos devido à Covid-19. O PIB francês deverá cair, este ano, entre 11 a 13%, anulando algum do progresso económico que se vinha verificando.

Perante tudo isto, Macron tinha de fazer alguma coisa que sinalizasse uma mudança. Deitou mão à substituição do Primeiro-Ministro.  Jean Castex é uma figura discreta, mas não desconhece as lides do palácio do poder, do Eliseu. Formou-se no sítio do costume, ou seja, na escola de elite dos tecnocratas franceses, a ENA (École Nationale d’Administration), tal como Macron e Philippe.

No entanto, quem o conhece, diz que ele é um conservador, oriundo do meio rural, um pragmático de pés bem assentes na terra, tem quatro filhas e uma carreira construída na sombra, até agora.  A França possui um regime no qual o Presidente, eleito directamente, é o chefe do poder executivo e o principal factor político. O Primeiro-Ministro e o gabinete governamental são nomeados pelo Presidente, mas são responsáveis perante o Parlamento.

Philippe foi uma peça importante na estratégia, por vezes confusa, de Macron, um homem “muito apegado a orçamentos equilibrados” – considerou um cientista político, que sublinhou que “Macron já não é assim”, e por agora, o Presidente anunciou um pacote de 15 mil milhões de euros para a “transformação ecológica”.

Macron precisava de se reinventar, e assim fez, sacrificando Philippe e uma boa parte da sua equipa governamental, que deverá incluir agora mais mulheres e mais gente de esquerda, liderados pelo homem que também é conhecido – para além do “senhor desconfinamento” – como o “canivete suíço”.

Governo de combate

A crise económica, a crise de saúde pública e a reforma do sistema de pensões, que trouxe milhares de franceses para as ruas no último Inverno, são tidas como dificuldades prementes para o novo Primeiro-Ministro, que na Assembleia Nacional francesa, a meio da semana passada, e na sua primeira prova de fogo perante os deputados, defendeu que o seu Executivo é um “Governo de combate”.

Esse “combate” deverá estar, táctica e estrategicamente, alinhado pelos eixos definidos pelo Presidente Emannuel Macron, que os fez saber através do novo porta-voz do Governo, Gabriel Attal, e que são, para além de uma genérica “mudança profunda no método”, no primeiro ponto, a “reconstrução do país”, do ponto de vista económico, social, ambiental, cultural e territorial; no segundo ponto, “o patriotismo republicano”, a “igualdade de oportunidades” e a defesa de instituições como “a Polícia e a Justiça”; no terceiro ponto está uma “política contratual” com os territórios e os autarcas eleitos; e no quarto ponto, a Europa.

“Não construiremos a nossa independência sem uma política europeia mais forte”, afirmou Attal em nome de Macron.

Dois ministros em polémica

O Governo de Jean Castex entra em cena envolvido em polémica, com dois ministros fortemente contestados pelos pares e nas ruas.
Os protestos não são nada brandos e fazem-se em Paris e em várias outras cidades francesas com centenas de pessoas a saírem às ruas em protesto contra a presença no Governo de Gérald Darmanin (ministro do Interior), acusado de violação, e de Eric Dupond-Moretti (ministro da Justiça), um crítico do movimento #metoo. “Aves de mau agoiro”, ouve-se nas ruas.

As palavras de ordem dos manifestantes, principalmente mulheres, são de expressiva violência: “violadores na prisão, não no Governo”, “remodelação da vergonha”, “Liberdade, Igualdade, Impunidade” (parafraseando um slogan caro à República) ou “a cultura da violação em marcha” (uma referência ao partido da maioria).

Convenhamos que não é muito comum nomear um ministro acusado de estupro, mas a presunção de inocência sobrepôs-se neste caso.  Gérald Darmanin foi acusado, em 2017, por Sophie Patterson-Spatz de assédio e violação, actos ocorridos em 2009. O agora ministro do Interior assume a relação sexual com Sophie mas diz que foi de mútuo consentimento.

O caso prossegue, e o Tribunal de apelação de Paris solicitou, em Junho deste ano, uma nova investigação. Esta não é a única mulher a acusar Darmanin de conduta imprópria. Uma outra mulher de Tourcoing, uma vila no Norte da França, onde o ministro exerceu as funções de autarca, também o acusa de a ter levado a trocar favores sexuais.

No entanto, o Primeiro-Ministro Castex saiu em defesa do seu ministro do Interior afirmando que conhece as denúncias contra ele, mas que “como os demais, ele tem direito à presunção de inocência” e que assume os riscos políticos da sua designação.  Eric Dupond-Moretti é igualmente contestado pelo movimento feminista, que o acusa de “desprezo sexista”, mas, e para além disso, Dupond-Moretti é um truculento e mediático advogado penalista, conhecido por ter construído a sua carreira a pôr em causa os magistrados do Ministério Público.

“Nomear uma personalidade que provoca tamanha clivagem e que despreza tanto os magistrados, é uma declaração de guerra à magistratura”, afirmou Céline Parisot, presidente da União Sindical dos Magistrados (USMMagistrats), ao Le Monde. Entretanto, há altos quadros da magistratura a pedirem a demissão porque se recusam a trabalhar com o ministro da Justiça. Seja como for, estes dois ministros são considerados “as estrelas” da remodelação governamental.

Angola e França, uma história que começou em Fevereiro de 1976 

A União Europeia (UE) disponibilizou recentemente 13 milhões de euros para o Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI) investir na produção de conhecimento e na promoção da inovação.

Enquanto o embaixador da União Europeia, Tomás Ulicny, se mostrava convicto de que este valor vai contribuir para a produção de conhecimento útil ao processo de diversificação da economia, o embaixador francês em Luanda, Sylvain Itté, destacou que este projecto é mais uma das ex-pressões concretas do compromisso da França com o desenvolvimento do ensino superior angolano.

Emmanuel Macron deveria ter visitado Angola em Maio, mas “a pandemia mudou o calendário e a agenda de todos os Chefes de Estado e do mundo inteiro”, disse Sylvain Itté, justificando o facto de o Presidente francês ter tido de adiar a sua viagem ao país. Ainda assim, os dois Presidentes, João Lourenço e Emmanuel Macron, falaram ao telefone, no início do mês de Junho, onde abordaram o impacto eco

nómico da Covid-19 no mundo e em Angola, bem como outros temas da actualidade. O Presidente francês revelou, desde o início da crise, uma constante preocupação com os países africanos e os analistas franceses têm incluído frequentemente nas suas análises Angola no contexto da crise global relacionada com a baixa do preço do barril do petróleo.

“O Presidente francês viu-se forçado a adiar a visita a Angola, mas realça o princípio da nossa cooperação, que é uma das suas prioridades”, assinalou o embaixador da França, Sylvain Itté, à saída de uma audiência com o Presidente João Lourenço, a quem entregou uma carta de Emmanuel Macron.

Em Maio de 2018, o Presidente João Lourenço efectuou uma visita de Estado a França, durante a qual foram assinados acordos de cooperação no domínio da Defesa e Agricultura e uma convenção sobre a subvenção dos estudos com o fundo para expertise e o reforço das capacidades da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e estabelecimento de um protocolo de promoção e participação para a cooperação económica com o sector privado.

Na ocasião, João Lourenço reafirmou o interesse do país em estabelecer com a França uma verdadeira parceria estratégica, sustentada no reforço dos laços de amizade e de cooperação nos sectores da Educação, Cultura, Política, Defesa e Segurança, principalmente a parte económica e empresarial. Na mesma altura, Angola solicitou a sua adesão, como membro observador, à Organização Internacional da Francofonia.

As relações diplomáticas entre os dois Estados foram estabelecidas em Fevereiro de 1976. As bases da cooperação bilateral foram criadas, em 1982, com a assinatura do Acordo Geral de Cooperação. Angola exporta para a França petróleo bruto.

A empresa francesa Total é a primeira operadora petrolífera em Angola, com uma produção diária na ordem dos 650 mil barris, em tempo de pré-Covid. Os dois países têm uma cooperação cultural e científica consistente, especialmente no domínio do ensino superior.

//thubanoa.com/1?z=6305139